AS CEM MELHORES CRÔNICAS
BRASILEIRAS
O poeta concretista acordou inspirado. Sonhara a noite toda com a namorada. E pensou: lábio,lábia. O lábio em que pensou era o da namorada, a lábia era a própria. Em todo caso, na pior das hipóteses, já tinha um bom começo de poema. Todavia, cada vez mais obcecado pela lembrança daqueles lábios, achou que podia aproveitar a sua lábia e, provisoriamente desinteressado da poesia pura, resolveu telefonar à criatura amada, na esperança e maiores intimidades e vantagens. Até os poetas concretistas podem ser homens práticos.
Como, porém, transmitir a mensagem amorosa em termos vulgares, de toda gente, se era um poeta concretista e nisso justamente residia (segundo julgava) todo o seu prestígio aos olhos das moças? Tinha que fazer um poema. A moça chamava-se Ema, era fácil. Discou. Assim que ouviu, do outro lado da linha, o “alô” sonolento do objeto amado, foi logo disparando:
- Ema. Amo. Amas?
-Como? –surpreendeu a jovem. – Quem fala?
- Falo. Falas. Falemos.
A pequena, julgando-se vítima de um “trote”, desligou violentamente, não antes de perpetrar, sem querer um precioso “hai-kai concretista:
- Basta, besta!
O poeta ficou fulminado. Não podia, não podia compreender. Sofreu, que também os concretistas sofre; estava realmente apaixonado, que também os concretistas se apaixonam, quando são jovens – e todo poeta concretista é jovem. Não tinha lábia. Não teria os lábios. Por que não viajar para Líbia? Desaparecer, sumir... Sentia-se profundamente desgraçado, inútil. Um triste. Um traste.
O consolo possível era a poesia. Sentou-se e escreveu:
“Bela. Bola. Bala.”
O que traduzindo em vulgar, vem a dar nesta banalidade: “ A minha bela, não me dá bola. Isto acaba em bala.”
Não acabou, naturalmente. Tomou uma bebedeira e tratou de achar outra namorada, a quem dedicou um soneto parnasiano. Foi a conta. Casaram-se e são muito falazes... oh! Perdão: felizes.