Crônicas da Cidade, trata-se de pequenas estórias ubatubenses, retratados pelos nossos ilustres autores que através dos seus relatos, conseguem transmitir com humor, uma Ubatuba nos tempos mais remotos e uma Ubatuba nos tempos atuais.
Por Fátima Aparecida de Souza
Virgínio era um desses sujeitos que, não se sabe por que cargas d’água, acabara-se sozinho na vida. Os mais antigos caiçaras diziam que esse tipo de pessoa que acaba solitária, geralmente sempre brincou de viver, nunca assumiu sua realidade.
Pescava, jogava truco com camaradas de rede, morava numa casa de pau-a-pique esburacada, que sempre adiava para arrumar e quando ventava, balançava muito; mais nada que algumas folhas de bananeiras não dessem jeito.
Religioso, era capelão como fora seu pai. Sua fortuna era um oratório enorme cheio de imagens de santo, herança dos antepassados, uma tarimba com um colchão de capimbecá e um fogão de lenha. Além de um bando de gatos com quem dividia o pouco espaço.
Um dia, depois de uma pescaria, em que deu para encher três samburás de pampo, voltou para casa, preparou uns dois peixes para comer e não sabia o que fazer com o resto, pois era muito. Dividir com os outros? Mais custa, quem quisesse que fosse pescar! Naquele tempo, geladeira era coisa de ficção. Se deixasse os peixes ali, os gatos fariam festa. Uma idéia passou lhe passou pela cabeça, também ninguém ia ficar sabendo mesmo. Pegou os peixes e ajeitou dentro do oratório e saiu para jogar truco no armazém do Jaca.
Era janeiro, o calor começou a mexer com os peixes dentro do oratório, exalando forte o cheiro de peixe por todos os lados. Atiçando, assim, seus gatos e todos os bichanos da redondeza. Por tudo quanto era buraco da parede entrava gato. Saquearam o oratório sem dó e piedade. Quando Virgínio voltou a estrela d’alva já brotava no morro do cais. Empurrou a porta, acendeu a lamparina e quase teve um treco quando viu um de seus santinhos abraçados com um dos seus pampos.